É preciso discutir um planejamento municipal que sobreviva ao tempo de vida útil dos poços de petróleo, que gira em torno de 20 a 30 anos
Encontra-se sob relatoria da Ministra Carmen Lucia a polêmica Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.917, na qual o Estado do Rio de Janeiro questiona a sistemática de distribuição de royalties promovida pela Lei nº 12.734/12, que diminuiu o percentual de repasses a estados e municípios produtores, para incluir entes não afetados pela operação.
Em sede cautelar, a Ministra suspendeu, monocraticamente, diversos dispositivos da referida Lei, em especial aqueles que disciplinam a parcela de royalties devida em razão da exploração de jazidas petrolíferas no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileira.
Pesou na decisão o argumento fluminense de que vultosos valores, imprescindíveis para a continuidade de serviços públicos estaduais e municipais, restariam desidratados com a vigência do novo regramento. Além disso, segundo o Estado do Rio de Janeiro, a repartição dos royalties, tal como delineada na Constituição Federal e na legislação de regência, foi objeto de acordo político a fim de compensar as perdas decorrentes da cobrança de ICMS do petróleo no destino, em vez da origem, trazendo inegáveis perdas aos estados produtores.
De outro lado, argumentam os congressistas que votaram a favor da Lei, que o petróleo pertence a toda a sociedade brasileira e que os valores auferidos a esse título superam em muito o patamar razoável de indenização devida aos entes produtores. Logo, o espírito da Lei seria o de promover a distribuição mais justa desta riqueza nacional.
Como se vê, o assunto é bastante complexo e multifacetado, pois envolve questões sensíveis como pacto federativo, receita pública, planejamento estatal, meio ambiente e desenvolvimento econômico.
A discussão em torno do tema deve necessariamente estabelecer uma ligação entre o conceito de royalty e as consequências da exploração durante e após a vida útil do campo, bem como seus efeitos sobre o planejamento dos entes produtores.
CONSEQUÊNCIAS DA EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO
Os royalties possuem natureza jurídica de receita transferida originária, de cunho não tributário, como compensação financeira pela exploração de recursos naturais de titularidade pública. O motivo que enseja o repasse a estados e municípios produtores é o fato de os mesmos sofrerem os custos, o ônus e o risco da atividade exploratória.
O principal desses efeitos é o risco ambiental, originado tanto dos poluentes lançados inadvertidamente ao mar pelo aumento do tráfego aquaviário, como de eventuais vazamentos de óleo nas atividades de exploração, produção, embarque e desembarque e, sobretudo, de acidentes envolvendo navios petroleiros (como o famoso caso do petroleiro Exxon Valdez, em 1989, no Alasca) ou plataformas offshore (como a P-36, que afundou em 2011 com 1.500 toneladas de óleo ainda a bordo, na Bacia de Campos).
Como exemplo mais recente, cumpre lembrar do derramamento de óleo ocorrido em setembro de 2019 na costa brasileira, de causa ainda desconhecida, que despejou mais de 5 mil toneladas de resíduos oleosos na faixa litorânea compreendida entre os estados do Maranhão e Rio de Janeiro. Cerca de 130 municípios costeiros amargaram danos ambientais, sociais e econômicos imensuráveis. O turismo minguou, as colônias de pescadores ficaram sem sustento, a vida marinha entrou em colapso e o ônus ficou com os entes atingidos.
Todavia, restringir o alcance da compensação tão somente aos riscos ambientais afigura-se tangenciar o tema. É preciso discutir outras dimensões do problema, sobretudo quanto ao planejamento municipal de longo prazo que sobreviva ao tempo de vida útil limitado de um poço, que gira em torno de 20 a 30 anos.
O ABANDONO DO POÇO
É sabido que, durante o ciclo de vida do campo petrolífero, diversas empresas se instalam em territórios municipais confrontantes e exigem investimentos em infraestrutura, equipamentos públicos e serviços que atendam a essa efervescente demanda. Políticas públicas são formuladas para satisfazer o setor energético, naval e portuário, além do maior fluxo de pessoas e bens, que requer investimentos em segurança, saúde, educação e urbanismo.
É dizer, o município dedica boa parte de seus esforços para prover um ambiente fértil para o ambiente de negócios petrolífero se desenvolver adequadamente nesse interstício de 20 a 30 anos.
Quando chega a fase de abandono do poço, ocorre a gradual desmobilização das instalações, ocasião em que as empresas partem em busca de novas oportunidades pela extensa costa brasileira, como próprio da natureza itinerante desse tipo de mercado, deixando para o município lacunas que não se preenchem em curto prazo.
É nesse ponto que os royalties assumem importância estratégica: de prover o poder público municipal de recursos que assegurem a sustentabilidade do desenvolvimento calcado na diversificação da matriz industrial e de serviços.
POUPANÇA DOS ROYALTIES
Foi com esse pano de fundo que Niterói criou o Fundo de Equalização da Receita, uma espécie de poupança das receitas de petróleo, com vistas a assegurar a continuidade do desenvolvimento municipal para quando os campos de petróleo atingirem seu declínio.
Por tais motivos que, muito embora a Lei nº 12.743/12 se renda ao argumento fácil de que o petróleo pertence a todos, um olhar mais atento revela que os entes afetados enfrentarão, no médio prazo, o desafio de sobreviver a esse período de pujança, cujos alicerces de hoje serão fundamentais para a sustentabilidade da economia municipal. Além da insegurança jurídica trazida pela mudança de critérios dos royalties, que chega a impactar até mesmo os contratos já celebrados, a Lei retira de Niterói sua capacidade de planejamento de longo prazo, uma vez que as receitas originalmente estimadas para 30 anos deixam de ser aquelas previstas no momento da concessão e frustram o planejamento traçado para as gerações futuras.