“Direito real, transmissível por ato entre vivo ou por disposição de última vontade, por meio do qual o proprietário atribui perpetuamente a outrem o domínio útil de sua propriedade. A título de sinalagma, o enfiteuta deverá pagar ao senhor um foro anual”. Essa é a definição jurídica do instituto da enfiteuse, um dos fatos geradores do Imposto sobre a Transmissão de Bens e Imóveis, o ITBI. Mas é possível – e até provável – que mesmo lendo essa definição, você ainda tenha dúvida do que se trata. Mais: é possível que até o termo “fato gerador” te cause dúvida.

Você não está sozinho e isso não é motivo de vergonha. De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, apenas pouco mais de um terço da população brasileira entre 15 e 64 anos é considerada alfabetizada em nível consolidado. São pessoas que conseguem elaborar e ler textos de maior complexidade com base em elementos de um contexto dado e que, a partir do informado, podem opinar sobre a posição e o estilo do que foi escrito. Artigos acadêmicos, legislações e definições jurídicas – tal como a citada – são textos desse tipo, o que explica sua dificuldade e seu público muitas vezes restrito.

Isso é ruim. Primeiro porque demonstra o déficit de educação formal que ainda existe no Brasil e que é um dos grandes gargalos para o nosso desenvolvimento. Mas em um aspecto mais palpável, porque mostra a exclusão a qual uma parcela da população é submetida todos os dias. Se apenas uns poucos conseguem ler e entender uma lei, isso significa que a ampla maioria é deixada de fora por não compreender os termos em que as coisas são debatidas e aprovadas. Os motivos para isso são inúmeros, históricos e dizem muito sobre quem somos enquanto país. Mas independente do motivo preponderante, o resultado é o mesmo: menor participação popular no debate de assuntos que são de seu interesse.

Em assuntos fazendários, isso é ainda mais problemático porque envolve uma ação muito importante na vida do cidadão que é o pagamento de impostos. Entenda ele ou não o que está sendo cobrado e por que está sendo cobrado, o cidadão tem o dever de se manter em dia com o fisco. Isso contribui para um dos maiores problemas que temos que é a evasão fiscal. Se a pessoa não entende que tem que pagar algo ao Estado, por que ela vai pagar? Como ela vai entender que esse dinheiro é o responsável pela execução de políticas públicas de educação, saúde, assistência etc?

Foi pensando nisso que surgiu a Linguagem Simples. Criada na década de 1940 nos Estados Unidos e no Reino Unido e hoje presente em mais de trinta países, a Linguagem Simples é tanto um conjunto de técnicas de comunicação quanto uma cultura. Enquanto técnica, seu objetivo é tornar textos e documentos mais acessíveis. Enquanto cultura, ela é a defesa do direito de entender as informações que fazem parte do dia a dia. Somadas, essas duas facetas contribuem para reduzir a distância que a linguagem impõe entre as pessoas, o que no Brasil tem se tornado muito atraente ao serviço público.

Há alguns bons casos. São Paulo, por exemplo, conta com uma Política de Linguagem Simples (Lei Municipal 17.316/2020) desde 2020. Já o governo do Ceará, por meio do Laboratório de Inovação e Dados – IrisLAB, desenvolve há anos a cultura da linguagem simples por meio do Programa Linguagem Simples Ceará, fomentando diversas parcerias com entes subnacionais como a própria Prefeitura de Niterói. Inclusive estamos realizado  formações sobre o tema aos servidores das mais diversas pastas por meio da Escola de Governo e Gestão e do Laboratório de Inovação de Niterói (LabNit) ligados à Secretaria de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (SEPLAG).

Uma iniciativa importante da Prefeitura de Niterói que materializa a priorização da linguagem simples em nossa interação com os cidadãos ocorreu quando da publicação da Carta de Serviços, que foi feita seguindo os princípios da simplicidade, objetividade e inclusão. Isso se traduziu posteriormente na Política de Atendimento, Proteção e Defesa do Cidadão de Niterói (Decreto Municipal nº 14.201/2021) que elencou a linguagem simples como uma diretriz de atendimento ao público.

Seguindo essa trajetória, lançamos em janeiro deste ano o Banco de Linguagem Simples da Fazenda. O Banco é um repositório de dados com os principais termos e conceitos fazendários adaptados para a linguagem simples. Seu objetivo é facilitar o entendimento da população ao vocabulário tributário, financeiro e contábil do município. Ele é organizado em três categorias: 1) definição técnica, que é o conceito como ele é entendido pela legislação vigente ou pela teoria/jurisprudência/doutrina; 2) definição simples, que é uma versão simplificada da definição técnica; e 3) linguagem simples, que é a versão mais simples possível do termo.

Com o banco, é possível descobrir o que é um “crédito tributário” (dinheiro devido ao governo) ou a “não incidência” (quando o imposto não é cobrado por razões legais). O termo “fato gerador” citado acima, por exemplo, pode ser entendido como “tudo aquilo que deu origem à obrigação de pagar um tributo ou cumprir uma obrigação ao governo”. Há uma série de outros termos e convido todos a dar uma olhada na ferramenta, disponível no site da Secretaria de Fazenda (https://www.fazenda.niteroi.rj.gov.br/site/linguagem-simples/). Nossa intenção aqui é a mesma da que pauta a agenda de Linguagem Simples: promover a cidadania fiscal por meio do acesso facilitado às informações que são de interesse público.

Então, da próxima vez que você se deparar com o termo enfiteuse pela frente, saiba que ele é todo o jargão jurídico dito antes. Mas ele pode ser compreendido como a “transferência do domínio útil sobre o imóvel para outra pessoa mediante pagamento”. Muito mais simples, não é mesmo?

E se ainda tiver mais alguma dúvida, você também pode acessar o nosso Plantão Fiscal. Por meio do nosso Portal de Serviços você pode agendar uma conversa com um Fiscal de Tributos por videochamada e ele irá orientá-lo sobre todos os seus questionamentos priorizando a linguagem simples para explicar termos, direitos e obrigações previstos no direito tributário.


Agradeço aos servidores das Subsecretarias de Receita e de Modernização da Gestão Fazendária, com destaque especial ao servidor Luiz Otávio Ribeiro Monteiro Júnior pela co-autoria deste artigo e, principalmente, pelo propósito de promover um fisco cada vez mais cidadão, como a liderança desta iniciativa do Banco de Linguagem Simples.

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